Carta aos Investidores dos Fundos de Crédito Privado da Sparta – 2021.02
Prezados investidores,
Como em toda virada de ano, dedicamos um tempo à reflexão. Repensar o que aconteceu durante o ano, quais foram os grandes eventos que surpreenderam e deram a direção desse período, os aprendizados, e se as decisões tomadas foram as mais acertadas. Gostamos de fazer esse exercício para buscar evoluir como profissionais e investidores.
O cenário pré-pandemia
O ano de 2020 será eternamente lembrado como o ano da pandemia (ou o ano em que ela se iniciou). Logo após o carnaval, quando o Brasil ia “começar o ano pra valer”, veio a surpresa que impactou e definiu o restante do ano.
Em relação à nossa classe de ativos – crédito privado high grade – a conjuntura era a seguinte: os juros baixos finalmente tinham chegado no Brasil, o país dos juros escorchantes. Juros baixos reduzem o custo da alavancagem para as empresas (e o risco) e aumentam a demanda dos investidores por crédito privado, resultando em spreads de crédito menores. Depois de um exagero na compressão do spread de crédito, no final de 2019 passamos por uma reprecificação técnica, trazendo o spread de crédito para patamares mais próximos do padrão histórico.
Não por acaso, a demanda por crédito privado tinha sido enorme nos últimos semestres, e vimos um crescimento significativo de estruturas que abusavam do risco de liquidez. Enquanto gestores com carteiras de resgate em 30 dias fechavam para captação, num sinal de cautela e maturidade, surgiam no mercado outros fundos com prazos de resgate menores – e não maiores (!) – pisando no acelerador da captação. Eventualmente os fundos com liquidez diária estavam captando de forma significativa, com investidores concluindo que um prazo de resgate menor num fundo de crédito era melhor que um prazo maior. Além disso, os fundos “com alta liquidez” chegavam a render mais que fundos com prazos de resgate maior. Enfim, as inversões de valores típicas de uma euforia estavam por todos os lados.
Com esses ingredientes que abusavam da liquidez de um mercado com notórios gargalos nesse quesito, quando nos deparamos com uma pandemia que congelou a economia mundial, foi a tempestade perfeita. Uma classe de ativos que é conservadora e resiliente nas crises, teve um forte movimento de queda nos preços dos ativos e nas cotas dos fundos.
Para uma análise mais detalhada sobre os aspectos técnicos deste mercado e o que fizemos na crise, recomendamos a leitura da carta aos investidores de jul/20.
O risco de crédito
Uma primeira reflexão que fazemos é que mesmo com todo esse movimento e incerteza, nenhuma companhia de nosso portfólio teve problema de crédito. As duas vítimas da pandemia mais notórias no mercado de crédito high grade (e que não tínhamos em carteira), por serem dos setores de turismo e restaurantes, conseguiram renegociar novas condições. Em ambos os casos, os acionistas aportaram capital – que além da desalavancagem e melhora da liquidez, representa uma clara demonstração de confiança no futuro da empresa. Entendemos que esse teste de estresse pelo qual passamos reforça ao investidor que o crédito high grade é conservador em termos de risco de crédito. Em termos de liquidez, a queda nos preços durou cerca de 30 dias, apenas até atingir os preços de compra onde novos investidores (incluindo bancos e fundos de ações) estavam dispostos a tomar esses riscos de crédito em plena pandemia. Ao longo de todo restante do ano, os preços foram se recuperando progressiva e gradativamente.
O retorno em 2020
Uma segunda reflexão é que o retorno dos fundos de crédito high grade em 2020 aparentemente não reflete nosso comentário acima sobre o risco de crédito. Se não tiveram casos significativos de piora do risco de crédito, por que a maior parte dos fundos rendeu aquém das suas metas?
A recuperação progressiva e gradativa dos preços em 2020 não fez com que os spreads de crédito retornassem para os patamares históricos médios. Na verdade, eles ainda estão bem longe disso. A métrica que julgamos adequada para medir o desempenho de um gestor nesse cenário é fruto de um exercício teórico nada trivial. Se considerássemos que os spreads de crédito tivessem voltado aos patamares pré-pandemia, somando esse resultado ao retorno de 2020, seria possível medir se conseguimos agregar valor para os nossos investidores.
Felizmente, nessa simulação teríamos como resultado que todos os nossos fundos teriam superado suas metas – e em alguns casos, superado por muito, o que evidencia que conseguimos aproveitar as oportunidades que surgiram na crise.
O motivo para essa aparente distorção é a janela de avaliação, que pode ser abordada sob dois ângulos. Primeiro, o mais evidente: se a crise tivesse estourado no último trimestre, qual seria o resultado do ano fechado? Provavelmente pareceria pior do que foi. Já o segundo ângulo é o tamanho da janela adequada de avaliação. Será que todas as classes de ativo de recuperam na mesma velocidade?
O histórico do indexador
Apesar dos elevados spreads de crédito e da maior clareza em relação aos impactos da pandemia nos balanços dos emissores, o movimento de recuperação no crédito privado pode ser considerado mais lento do que o esperado, em especial ao comparar os mercados de maior risco. Apenas como provocação: se o pagamento dos credores tem preferência em relação aos acionistas, e o Ibovespa renovou sua máxima histórica antes do fim do ano, o mercado de crédito privado não deveria ter se recuperado mais rapidamente que a bolsa?
De fato, houve pouco interesse dos investidores por essa classe de ativos. Acreditamos que essa aparente distorção tem uma explicação bastante simples: a taxa Selic.
Antes de avançar na reflexão, vamos fazer uma retrospectiva. Na primeira fase do ciclo de queda da taxa Selic, entre 2016 e 2018, ela foi de 14,25% para 6,5%. Nesses níveis, o investidor considerava o crédito privado atrativo, já que na média do mercado high grade, esses ativos ofereciam cerca de 1,0% ao ano acima da Selic (ou CDI), com baixa volatilidade, baixo risco de crédito e razoável liquidez – para quem trabalha com prazo de resgate de pelo menos um mês. Tanto é que com a euforia já mencionada anteriormente, os spreads de crédito ficaram demasiadamente comprimidos. Já na segunda etapa do ciclo de queda, a partir do 2º semestre de 2019, quando a Selic foi de 6,5% para 4,25%, os investidores passaram a considerar o retorno do título soberano pós-fixado pouco atrativo. Assim, exigiam um maior retorno adicional pelo risco de crédito como forma de compensação adequada pelos riscos dessa classe de ativos. Isso culminou na reprecificação técnica do final de 2019. Os spreads de crédito voltaram para patamar em que os fundos conseguiam render o 1,0% adicional ao CDI – a média histórica. E tudo isso, sem relação direta com qualquer piora na qualidade de crédito dos emissores.
Entretanto, com a crise do Covid-19, o Banco Central optou por iniciar uma terceira etapa do ciclo de queda da Selic, reduzindo-a até os 2,0% a.a. atuais. Inicialmente, existia uma expectativa de que a pandemia fosse deflacionária. E, de fato, o IPCA acumulado nos primeiros 6 meses de 2020 foi de apenas 0,1%. Segundo o relatório Focus de 31/jul, a expectativa do IPCA para o ano completo de 2020 era de 1,6%, com expectativa de Selic a 2,0% no final do ano, o que ainda representava uma expectativa de juro real positivo embutido na Selic. Já no segundo semestre, com todos os estímulos fiscais adotados e a expressiva desvalorização do Real acumulada nos últimos meses, a crise passou a uma fase inflacionária. O IPCA acumulado no 2º semestre de 2020 foi de 4,4%. A Selic, que desde agosto está no atual patamar, passou a representar nível ainda mais estimulativo, acumulando um juro real negativo nesse período. O Brasil que há pouco tinha os juros mais altos do mundo, agora estava com o menor juro real do planeta, apesar de uma situação fiscal muito mais frágil.
A conclusão aqui parece óbvia. Até o título público pós-fixado (Tesouro Selic) passou a ser negociado com desconto, com ampla repercussão na mídia, uma vez que atingiu até os fundos mais conservadores do mercado e o Tesouro Direto. Os investidores passaram a não querer mais investimentos atrelados à Selic (ou ao CDI), pois ela estava em patamar que não atrai sob a ótica de um investimento com retorno/risco adequado. Consequentemente, os investidores passaram a interpretar que parte do spread de crédito, que parecia elevado, na verdade era uma compensação pelo patamar inadequado do indexador.
A perspectiva do indexador
Mesmo com a forte atratividade dos spreads de crédito, o indexador pós-fixado vem mantendo os investidores afastados dessa classe de ativos. No entanto, as pressões inflacionárias são reais. Enquanto o IPCA acumulou 4,5% em 2020, o IGP-M acumulou 23,1%, sendo que ao longo do tempo os dois índices tendem a convergir. Além de fatores microeconômicos, os níveis sem precedentes de estímulos fiscais e a alta das matérias primas e commodities em termos globais é potencializada pela grande depreciação cambial acumulada, que se não revertida, deve continuar pressionando a inflação medida pelo IPCA. Assim, é apenas questão de tempo para que o Banco Central normalize a taxa Selic para um patamar que represente adequadamente o desejado nível estimulativo, mas com uma relação retorno/risco adequada, assim como era quando ele a colocou em 2,0% a.a. Em outras palavras, entendemos ser um desejo de longo prazo da sociedade (e dos investidores) que a taxa básica de juros da economia deixe de apresentar um retorno real positivo, como em economias desenvolvidas, mas isso deve ser conquistado após uma lição de casa bem feita. Torcemos para esse dia chegar, e certamente nessa ocasião não trarão distorções para o mercado de crédito.
Tão logo a taxa Selic inicie o processo de normalização, a percepção dos investidores de que parte do spread de crédito elevado está apenas compensando uma distorção do indexador deve ser dissipada e o spread de crédito elevado passará a representar uma oportunidade de fato.
Com isso, acreditamos na possibilidade de um resultado bastante expressivo em 2021 para nossos fundos de crédito privado, mais do que compensando o aparente retorno “aquém do esperado” em 2020. Voltando à reflexão anterior do indexador, a janela dos anos de 2020 e 2021 somados deve ser mais adequada para avaliar o desempenho dos fundos “na pandemia”.
Uma interpretação alternativa
Apesar do cenário acima favorável para os ativos pós-fixados, também vemos um cenário alternativo. Se os títulos pós-fixados do Tesouro não estão em patamares atrativos, então é porque os prefixados ou indexados à inflação estão oferecendo retornos melhores, ainda que com maior volatilidade. De fato, um título soberano prefixado com 5 anos de prazo está sendo negociado próximo de 7% a.a. O título equivalente indexado à inflação está próximo de IPCA+2,6% a.a. Claramente, são retornos maiores do que os 2,0% a.a. da taxa Selic atual. Mas o que nem todo investidor sabe é que na B3 existem contratos derivativos que nos permitem trocar um indexador por outro, se calculados nos montantes adequados. É possível obter um retorno equivalente ao Tesouro Prefixado de 5 anos tendo uma posição em Tesouro Selic e um derivativo que troca o pós-fixado pelo prefixado. De forma análoga, é possível obter um retorno equivalente ao Tesouro IPCA de 5,5 anos tendo uma posição de Tesouro Selic e um derivativo que troca o pós-fixado pelo indexado ao IPCA.
Ora, se a definição de spread de crédito é a diferença entre o retorno de um título privado e um título público de mesma característica, então é possível trocar o retorno de um título privado pós fixado no retorno de um Tesouro IPCA acrescido do spread de crédito. Basta fazer a posição contrária em derivativos do exemplo acima.
A reflexão aqui é que se o crédito privado está com retorno atrativo, uma vez que os spreads de crédito estão em nível elevado numa comparação histórica, é bom estar investido nessa classe de ativos. Se o problema é o indexador, então trata-se de um problema transponível.
Em set/20, lançamos o Sparta Top Inflação. Trata-se de um fundo com gestão ativa de crédito muito semelhante ao Sparta Top, nosso carro chefe, porém com a troca do indexador pós-fixado para o um indexador atrelado ao IPCA. Escolhemos como indexador o IMA-B 5, que representa a média dos títulos públicos indexados ao IPCA com prazo de até 5 anos. Essa escolha se deve ao maior peso para corrigir o valor investido pelo IPCA, sem uma exposição significativa aos movimentos da curva de juros (duration curta, em torno de 2,4 anos). Com um indexador claro como o IMA-B 5, o investidor pode conferir o desempenho relativo do fundo e tolerar melhor eventuais oscilações, que em grande parte serão do indexador (risco de mercado), e não da carteira de crédito (risco de crédito).
Em relação ao IMA-B 5, cabe lembrar que historicamente ele tem um retorno superior ao CDI, embora com um pouco mais de volatilidade. Tomando por base um histórico de 10 anos, no qual tivemos altas e quedas da taxa Selic, é razoável esperar entre 1 e 2 meses de retorno negativo por ano.
Com a mesma tese, em jan/21 lançamos o Sparta Debêntures Incentivadas Inflação, que é uma versão do Sparta Debêntures Incentivadas, mas ao invés do indexador CDI, tem como indexador o IMA-B 5. Em ambos os fundos, existe a isenção de IR para pessoas físicas.
O que esperar para 2021?
Os ativos de crédito high grade estão com níveis de spread de crédito bastante atrativos. Assim, considerando a expectativa do mercado de CDI acumulado para o ano acima de 3,3%, somado com o spread de crédito na casa de 2% acima do indexador e mais alguma normalização do spread de crédito, parece factível esperarmos um retorno para os fundos que pode superar 6%.
De forma análoga, esperamos retornos similares para os fundos com o IMA-B 5 como indexador. A principal diferença é que esse indexador deve trazer uma maior proteção no caso do IPCA acumular um valor mais elevado que a meta de inflação para o ano.
Bons investimentos!
Equipe Sparta